quinta-feira, 26 de agosto de 2010

O Paradigma Familiar

O modelo de família tradicional, tal como o conheci através da família que me acolheu biologicamente, é um modelo altamente limitador, manipulador, controlador, programador – em resumo: sufocante.

Recebi princípios de respeito pela normas sociais, pelos mais velhos, ou pelos de estatuto hierarquicamente superior. Recebi protecção e um apoio incondicional, mas sem incentivos à minha expressão individual, e que desde cedo se revelou incapaz de se encaixar no sistema.

Não me recordo de manifestações de afecto, talvez porque eles nem o saibam fazer, porque também nunca as receberam ...

Este modelo, no qual cresci, foi certamente semelhante ao de tantas familias, e ainda o é.

Não há nada de errado ou de certo.

A Vida, inconsciente de si mesma vive o que acredita. Sonha pouco...

Os padrões passam de geração em geração com pouco questionamento, assentes na aceitação de uma “realidade inalterável”, e , na maioria dos casos com muita falta de coragem para romper as barreiras dos condicionalismos adquiridos.

Fui formatada para me comportar e encaixar nas normas sociais, encontrar um emprego estável, casar e ficar com o marido para o resto da vida, ter casa, filhos, e não reclamar.

A religião ocupava um espaço importante na obediência social, uma espécie de “ zona de conforto”, mas absolutamente inquestionável.

Claro que, da geração dos meus avós para a dos meus pais, ocorreram mudanças, mas sobretudo no plano físico: rotinas, conforto, melhores condições de vida. Mas o salto quântico da consciência ainda não aconteceu – as formatações de base continuaram imutáveis.

Na partilha com algumas pessoas (muitas), continuo a encontrar relações entre pais e filhos marcadas por traumas, assentes em experiências que nunca foram partilhadas, medos, ódios e até competição. A falta de comunicação faz com que os membros da familia não se reconheçam entre si. Aos 40, 50, e até 70 anos ainda há pessoas que permanecem ligadas aos pais pelo medo, e se permitem ser manipuladas emocionalmente, mentalmente, ou monetáriamente.

E a Vida, inconsciente, continua a maltratar-se a si mesma, tecendo nós na teia do sofrimento.

O processo evolutivo em direcção à Consciência parece extremamente lento quando olho para trás no relógio do tempo.

Por medo de magoarmos os nossos pais e os nossos filhos, ficam pedaços de vida por viver.

Por medo de enfrentarmos os nossos pais ou os nossos filhos ficam sonhos por realizar.

Muitas vezes o mesmo sucede na relação com os nossos companheiros/as e amigos, a falta de coragem prevalece.

...

Olhando para a Vida de frente – “olhos nos olhos” – faltam-me as palavras, e apenas o vazio do absurdo pode descrever a sensação que me ocorre quando revivo o medo que durante anos senti, sobretudo do meu pai.

Como pode uma/o filha/o ter medo do seu pai (mãe)?

Como podem pais ter medo dos seus filhos?

Porque nos permitimos tal movimento – vibração tão afastada fluxo Natural?

Como pode a Vida ter medo da Vida?

Violentamo-nos ininterruptamente durante anos numa aparente e desde sempre desconexa realidade.

Somos ondas ao sabor da maré, num oceano sem porto.

...

A minha geração teve filhos que entretanto cresceram. Conheço sobretudo o testemunho dos professores, o cenário é indescritível. Conheço alguns destes jovens, a maioria completamente perdidos, alienados por natureza da rede social, vivem mundos de pressão interna, num desajuste alucinante.

Também isto é a Vida a experienciar-se a ela mesma – mas num registo denso e causador de sofrimento.

Até que um dia, um sonho, um grito, um momento, um toque, um abraço, um olhar, uma palavra, um rasgo de infinito nos revela Algo, Alguém, uma Alma, um Ser, a Verdade Imutável a palpitar dentro de nós.

Não há receitas – trata-se de um acontecimento interno, não se descreve, não se explica, mas expande-se por reflexo.

Estão cada vez mais a “nascer” novos Seres, mais livres dos atavios mentais. Muitos outros ainda se estão a “despir”, para que se possam dar à Luz a si mesmos, renovando a Vida.

Não sei o que vai permanecer do modelo familiar antigo, nem o que é descartado. Não sei se existe um novo conceito de Familia a formar-se, ou se a Vida começa finalmente a permitir-se ser livre sem conceitos.

Também sou Mãe. Por agora começo pelo que Não faz sentido. Do outro lado, um Ser observa-me também, atento, presente.

Também aqui sinto que não há receitas. Há uma partilha de momentos, que passam por muitos e diferentes estados e frequências.

Para já não sei mais nada. Continuo a esvaziar. E assim, Respiro...


Mizé


Agosto de 2010


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